sexta-feira, 17 de abril de 2015

Uma aventura em duas rodas part.4

Tudo bem que este post deveria na verdade se chamar "uma aventura em duas pernas", mas enfim. Continuando o passeio por Enoshima, agora na ilha propriamente dita, partimos da marina (que abrigou competições de vela na Olimpíada de 1964) no lado leste e entramos nos becos em meio aos casebres simples construídos na encosta. Encaramos uma longa e sinuosa escadaria até o topo; me senti subindo um morro carioca. Só que sem traficantes ou BOPE, claro. Lá em cima nos encontramos com a trilha principal, já no Kodama Jinja, o primeiro templo a ser cruzado no caminho. Erguido em 1918, é interessante que ele foi construído com pedras e árvores trazidos de Taiwan, em homenagem a um vice-rei que ajudou na vitória do império japonês na Guerra Russo-Japonesa. A poucos metros dali, fica um outro conjunto de edificações (templos Yasaka, Hoan-den e Enoshima). O Enoshima Jinja é o maior e mais famoso templo da ilha, erguido em 552. Ele possui várias edificações espalhadas pela ilha, sendo esta primeira, o Hetsu-no-miya, a maior. Havia uma 'chi no wa' montada na frente, para o pessoal atravessar. Segundo os costumes, esse ritual traz sorte e proteção às pessoas. A garoa recomeçou e a partir daí não parou mais, engrossando em alguns momentos. Mas paciência, já estávamos por ali, não tinha mais como voltar e deixar a caminhada pra outra hora.


Daquele ponto, haveriam duas trilhas para se chegar ao outro lado da ilha. Uma delas, margeando a encosta, não tinha nenhum atrativo a não ser a visão oferecida. A outra, mais utilizada pelos turistas, prosseguia com muitos enfeites ao longo do caminho e mais templos. Como o Nakatsu-no-miya, erguido em 853 e reconstruído pela última vez em 1996. Então chegamos no pequeno planalto do topo da ilha, ocupado pelo Samuel Cocking Garden. Com entrada paga, trata-se de um jardim com as ruínas de uma estufa (que já foi a maior do país), alguns monumentos, cafeteria e o grande farol/observatório. O local tem esse nome em referência ao comerciante inglês que comprou o terreno e morou por ali, criando e mantendo um jardim para visitação. Achei curiosa a presença de um pequeno palco (um showzinho idol ali seria loko hein) e de um mini-museu no térreo do farol. Ele tem quase 60 metros de altura e pode ser avistado de longe, principalmente de noite quando ganha uma iluminação azulada especial. O farol atual foi erguido em 2003, com formato de 'vela', substituindo um anterior mais simples que durou 50 anos. Do alto, a praticamente 120 metros do nível do mar, pode se ter uma bela visão panorâmica de toda a ilha e região. Até o Monte Fuji pode ser visto, se o tempo estiver aberto. O que não era o caso nesse dia.


Nas fotos abaixo, outras imagens lá de cima. Dá pra ver bem a concentração de restaurantes ao longo da trilha que segue até a ponta sudoeste da ilha, mais afastada. Voltando à caminhada, na encosta sul, outra concentração de restaurantes e templos. O maior é o Enoshima Daishi (Saifukuji), reconstruído em 1993, que conta com uma estátua de quase 6 metros em seu interior. É o único templo budista hoje. Na ponta sudoeste as trilhas se reencontram e você se depara com o Okutsu-no-miya (templo reconstruído em 1842) e o Wadatsu-no-miya, feito de pedras e com um grande dragão no topo. Dragões são uma figura constante na ilha, graças a uma lenda (Enoshima Engi) escrita pelo monge budista Kokei em 1047. Segundo ela, a vila de Fujisawa vivia sendo atacada por um dragão de cinco cabeças. A deusa Benzaiten criou a ilha de Enoshima para ser sua moradia e desceu à terra. O dragão ficou apaixonado pela sua beleza e a pediu em casamento, mas foi rejeitado por causa de todas as mazelas que ele vinha provocando. Envergonhado, ele prometeu nunca mais incomodar e se transformou numa montanha. Ao final da trilha, uma íngrime descida em meio ao rochedo até encontrar uma passarela que leva os turistas até as cavernas Iwaya. Em parte naturais, pouco acima do nível do mar, elas foram ampliadas e viraram local de devoção após um oráculo recebido por um antigo imperador. Em 1971, uma tragédia matou nove visitantes quando pedras se desprenderam e caíram sobre eles. Isso fez com que as cavernas ficassem fechadas até 1993. Após serem reformadas, ganhando bem mais proteções (e adereços decorativos), foram reabertas. A visita ali é paga.


A primeira caverna é mais longa (150 metros) e bem iluminada, com muitas ilustrações, fotos e esculturas budistas. No seu trecho mais interno, ela se divide em dois caminhos (Kongo e Taizo) e você recebe uma vela pra ajudar a iluminar a caminhada. Um certo preciosismo, diria até. Com ou sem luz, achei o local bem sombrio, amedrontador mesmo. Segundo o folclore, o final de um dos caminhos lembra uma vagina (?!) e o outro é uma 'porta para o inferno' (!?!?). Vai entender esses japas malucos. Saindo dali, nova passarela com destaque para uma rocha com formato de tartaruga no meio do caminho. Não pude vê-la porém, porque a maré estava alta e agitada. Pelo mesmo motivo, o Chigogafuchi, uma rocha plana de cerca de 50 metros de onde o pessoal costuma mergulhar e admirar o oceano, estava com acesso fechado. Na segunda caverna as coisas ficam bem mais punk, com um caminho mais estreito e teto baixo. Redes seguram possíveis rochas de se desprenderem e as paredes são úmidas, gotejando em vários pontos. Talvez por isso não haja tanta coisa exposta ali nem te entregam vela na entrada. No fim dessa caverna, uma escultura de um dragão verde. Reza a lenda que essa era a casa do dragão, que ao encontrar-se com um regente do clã Hojo (do período Kamakura), lhe concedeu um pedido. Por isso hoje se você for lá e bater no tambor em frente, pode ter um desejo concedido. Uma luz indica se ele vai ser realizado ou não. Por via das dúvidas, fiz um pedido e o dragão me indicou que sim, ele se realizará. =) É nóis. Os leitores mais atentos do blog devem desconfiar do conteúdo do pedido até, mas enfim. A chuva engrossou e tivemos de nos refugiar num dos restaurantes lá em cima. Os locais são bem simples e tipicamente nipônicos, então não espere vida fácil se não souber falar japonês. O turismo anda em declínio na região, com "apenas" 8 milhões de visitantes por ano, em anos recentes. (já chegou a ter quase o dobro) Bom, em outro post continuarei com a jornada pela ilha e a volta para casa.

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